Obra de saneamento para a COP30 exclui comunidade de palafitas em Belém

Uma obra na Vila da Barca, a maior comunidade de palafitas de Belém, tem provocado revolta entre os moradores. Localizada à beira da baía do Guajará, a construção da estação de esgoto tem sido alvo de protestos porque, segundo os moradores, embora erguida no coração da comunidade, não irá beneficiá-la diretamente, e sim bairros nobres da capital paraense.
O que aconteceu
Construção é uma das obras impulsionadas pela COP30. Trata-se da instalação de uma estação elevatória, estrutura que bombeia o esgoto de áreas baixas, como os bairros de Nazaré, Reduto e Umarizal, para a estação de tratamento do Una.
Obra de R$ 25 milhões terá 7.600 metros de rede coletora de esgoto ao todo. O foco principal é diminuir o despejo na Nova Doca (avenida Visconde de Souza Franco), que também passa por reformas para a COP30. Os recursos são de Itaipu Binacional, uma das grandes financiadoras das obras para a conferência climática da ONU, marcada para novembro.
Comunidade diz que construção é "para os outros". "Vai construir aqui, mas para os outros. A gente vai continuar jogando esgoto no rio sem ser beneficiado", reclama a educadora Susane Barreirinhas, líder comunitária e moradora do local. "Nós já procuramos governo [estadual], prefeitura, todo mundo. Para eles, está tudo lindo para a COP30, mas o morador daqui vai seguir sem [saneamento]. Tá certo isso?"
Associação de moradores protesta. "A área da Vila da Barca, especialmente as casas sobre palafitas, não está incluída. Eles falam da avenida principal, a Pedro Álvares Cabral, mas não das casas onde o problema é mais grave", diz a professora Inêz Medeiros, ex-presidente da associação.
Previsão de término da obra é agosto. A estação elevatória está sendo construída na Passagem Praiana, na entrada da comunidade, em um terreno que, segundo a associação de moradores, foi expropriado de uma antiga empresa de navegação no ano passado.
Moradores dizem ter sido surpreendidos pela obra. "Em outubro do ano passado, eles fecharam tudo com tapumes da COP e chegaram até a fechar uma das ruas. Só tiraram depois que que fizemos um protesto", conta Barreirinhas. Segundo ela, os adesivos que indicavam "estação de esgoto" foram trocados por "estação elevatória".
Saneamento não chega às palafitas. Com histórico de luta social, a Vila da Barca é uma das maiores comunidades de palafitas do país. Um censo feito pela própria associação em 2020 contabilizou 5 mil moradores em cerca de 400 palafitas, mas a maioria das construções é de alvenaria. Nenhuma dessas habitações tem acesso à rede de esgoto.
Associação entrou com uma ação judicial para tentar barrar a obra. "Eles seguem mexendo, de forma discreta. Não há interesse em dialogar com a comunidade", afirma a professora Inêz Medeiros.
O cheiro também preocupa. "Na reunião, uma representante do governo disse que, no dia a dia já vai ficar um odor de gás, mas, caso dê algum problema, eles não têm como garantir que a comunidade não vai ficar cheirando esgoto", reclamou a liderança Pawer Martins, que mora em frente à obra.
Como não estamos na rota da COP, não se preocupam com a gente. Os líderes vão passar pela avenida da frente. Na região da Nova Doca, do Porto Futuro, tudo cheio de obras, está lindo. Para nós, [sobrou] o cheiro e uma construção que nem nos beneficia.
Inêz Medeiros, liderança da Vila da Barca
O que diz o governo
O governo do Pará defende a obra como 'legado da COP' . Ao UOL, a gestão Helder Barbalho (MDB), responsável pela obra, informou que ela contempla bairros pertencentes à Bacia Hidrográfica do Una, inclusive o bairro do Telégrafo, onde está localizada a Vila da Barca, e que isso foi explicado em reuniões com os moradores, em maio. A associação rebate que o projeto inclui "a avenida principal do bairro", mas que a comunidade seguirá sem saneamento.
A obra foi projetada para coleta, transporte, tratamento e lançamento ambientalmente adequado de esgotamento sanitário. O dispositivo utilizado para transpor o esgoto entre essas diferenças topográficas é a Estação Elevatória, que viabiliza, então, o transporte até a Estação de Tratamento.
Seop (Secretaria de Estado de Obras Públicas)
Após a publicação da matéria, o governo estadual procurou o UOL e afirmou que a estação "não gera efluente, não realiza tratamento e não promove lançamento de esgoto no local". A gestão diz ainda que nas reuniões com os moradores "os aspectos técnicos da obra foram detalhados" e que o projeto "segue rigorosamente as normas técnicas e ambientais vigentes". "O esclarecimento sobre a natureza e o funcionamento da estação foi prestado à comunidade e está disponível", diz a nota.